Não se Diz ao Triste que se Alegre
Pouco sabe da tristeza
quem, sem remédio para ela, diz ao triste que se alegre; pois não vê que
alheios contentamentos a um coração descontente, não lhe remediando o que
sente, lhe dobram o que padece. Vós, se vem à mão, esperáreis de mim
palavrinhas joeiradas, enforcadas de bons propósitos. Pois desenganai-vos, que,
desde que professei tristeza, nunca mais soube jogar a outro fito. E, porque
não digais que sou gente fora do meu bairro, vedes, vai uma volta feita a este
mote, que escolhi na manada dos enjeitados; e cuido que não é tão dedo queimado
que não seja dos que el-rei mandou chamar; o qual fala assim:
Não quero e não quero
jubão amarelo.
Se de negro for
também me parece
quanto me aborrece
toda a alegre cor:
cor que mostra dor,
quero e não quero
jubão amarelo.
Parece-vos que se pode dizer mais ? Não me respondais: «Quem
gabará a noiva?» Porque assentai que foi comendo e fazendo, ou assoprando, que
não é tão pequena habilidade. E, porque vos não pareça que foi mais acertar que
querê-lo fazer, vedes, vai outra do mesmo jaez, contanto que se não vá a
pasmar:
Perdigão perdeu a pena,
não há mal que lhe não venha.
Em um mal outro começa,
que nunca vem só nenhum;
e o triste que tem um
a sofrer outro se ofereça;
e só pelo ver, conheça
que basta um só que tenha
para que outro lhe venha.
Luís Vaz de Camões, in "Cartas"
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