Pois somente nos é dada
para que ganhemos nela
o que sabemos.
Se se gasta mal gastada,
juntamente com perdê-la,
nos perdemos.
Enfim, esta minha Senhora, sendo a cousa por que mais
fazemos, é a mais fraca alfaia de que nos servimos. E se queremos ver quão
breve é,
ponderemos e vejamos
que ganhamos em viver
os que nascemos:
veremos que não ganhamos
senão algum bem fazer,
se o fazemos.
E, por isso, respeitando
que o porvir tal será,
entesouremos ;
porque [ao certo] não sabemos
quando a morte pedirá
que lhe paguemos.
Nunca vi cousa mais para lembrar, e menos lembrada, que a
morte; sendo mais aborrecida que a verdade, tem-se em menos conta que a
virtude. Mas, contudo, com seu pensamento, quando lhe vem à vontade, acarreta
mil pensamentos vãos; que tudo para com ela é um lume de palhas. Nenhuma cousa
me enche tanto as medidas para com estes que vivem na maior bonança, como ela;
porque quando lhe menos lembra, então lhe arranca as amarras, dando com os
corpos à costa; e se vem à mão, com as almas no inferno, que é bem ruim
gasalhado:
E pois todos isto temos,
não nos engane a riqueza,
por que tanto esmorecemos,
e trás que vamos;
já que temos a certeza
que, quando mais a queremos, a deixamos.
Gastamos em alcançá-la
a vida; e quando queremos
usar dela,
nos tira a morte lográ-la;
assim que a Deus perdemos
e a ela.
Luís Vaz de Camões, in "Cartas"
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